Diálogo Tônico: a silenciosa comunicação mãe-bebê

Sabrina Toledo
Doutora e Mestra em Saúde Coletiva (IMS/UERJ), Psicomotricista (IBMR), Técnica em Recuperação Motora e Terapia através da Dança (Escola Angel Vianna), especialista em Terapia Psicomotora de Base Psicanalítica pelo Centro de Estudos Regina Morizot (C.E.R.M.) e sócia-titular da Sociedade Brasileira de Psicomotricidade (SBP 263). Atualmente atua como Psicomotricista na Creche/Escola Bem Me Quer, como Psicomotricista Clínica no atendimento a bebês e como Professora de Expressão Corporal no Colégio Andrews.

Tel: (21) 98187-0750
sabrinaptoledo@gmail.com

TOLEDO, Sabrina. Diálogo-tônico: a silenciosa comunicação mãe-bebê in Cadernos de Psicanálise – CPRJ, Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro, ano 31, n.22, p. 193-205, 2009. 1
Diálogo Tônico: a silenciosa comunicação mãe-bebê Tonic Dialog: the silent communication mother-baby

Resumo:
O presente artigo aborda a importância da linguagem silenciosa do tônus para o estabelecimento da unidade mãe-bebê e, conseqüentemente, para o processo de subjetivação do
lactente. Tendo como ponto de partida a perspectiva winnicottiana do desenvolvimento emocional primitivo e a teoria psicomotora, os estados de hipertonia e hipotonia vividos pelo
bebê a partir do diálogo tônico com sua mãe são apresentados como fundamentais para que o infante possa se construir a partir de sua singularidade e desenvolver, assim, a capacidade de estar só.

Palavras-chave:
Diálogo tônico, psicomotricidade, estados de hipotonia e hipertonia, integração, não-integração, a capacidade de estar só.

Abstract:
This article presents the importance of the silent tonic language to establish the unity mother-baby and, consequently, the process of the baby’s subjectivity. Having as a start point Winnicott’s perspective of the primitive emotional development and the psychomotricity theory, the states of hypertonic and hypotonic experimented by the baby will be present here as the fundamental for the infant to construct himself from his own singularity. By doing this, he can develop his capacity of being alone.

Keywords:
Tonic dialog, psychomotricity, states of hypertonic and hypotonic, integration, no-integration, the capacity of being alone.

Introdução
Cientes da multiplicidade de experiências sensoriais vividas pelo bebê e do fato de estas serem o fundamento da vida psíquica, nos limitaremos neste artigo a descrever o papel da linguagem silenciosa do tônus por considerarmos importantes as contribuições que outro campo do saber, a psicomotricidade, pode nos trazer a respeito da questão tônica. Muitos psicanalistas já se aprofundaram na pesquisa sobre o papel das experiências sensoriais para a constituição do psiquismo. Podemos citar alguns nomes importantes como Anzieu, que ampliou nossa compreensão sobre a pele, e Geneviéve Haag, que abordou a questão do olhar, da percepção das articulações corporais e do envelope costas-nuca-cabeça como experiências necessárias para construir o primeiro continente. Tais autores desenvolveram importantes teorias para a compreensão do papel das experiências corporais primitivas, mas nenhum abordou a relação tônica com tanta profundidade como determinados autores da psicomotricidade. Nossa intenção neste trabalho é, tendo como base a teoria do desenvolvimento emocional primitivo elaborada por Winnicott, apresentar algumas contribuições que autores da psicomotricidade, como Lapierre e Aucouturrier, deram à questão da constituição psíquica no que diz respeito à linguagem tônica.

Unidade mãe-bebê
Em 1940, durante um debate na Sociedade Britânica, Winnicott espantou seus colegas aoafirmar que o conceito de “bebê” não existia. Disse ele: “Não existem isso que chamam de bebê.
O que quero dizer, naturalmente, é que sempre que vemos um bebê vemos também um cuidado materno e sem o cuidado materno não haveria bebê” (Khan, 2000, p.40). O paradoxo mãe-bebê é
apresentado, então, pela evidência de que é a unidade ambiente-bebê que possibilita que este possa vir a ser. Nos primórdios de sua existência, o bebê vive uma fase de dependência absoluta,
durante a qual a mãe, se for suficientemente boa, funciona como ego-auxiliar. Como o infante ainda não distingue o “eu” do “não-eu”, em condições satisfatórias, ele e a mãe poderão viver
como um só. A vivência da unidade mãe-bebê só é possível porque nesta fase a mãe se encontra num estado psicológico muito especial, ao qual Winnicott dá o nome de “preocupação materna
primária”. Tal termo denomina uma condição sutil da mãe que a leva a abandonar suficientemente seu narcisismo, se identificar com o bebê e tornar-se, assim, o ambiente facilitador.
A identificação da mãe em relação a seu bebê em muito se difere da dependência do lactente em relação àquela. Enquanto o bebê, no início da vida, é totalmente dependente dos cuidados do outro, a presença da identificação maternal traz em si uma enorme diferença 3 psicológica: é da ordem do desejo. Neste sentido, a apreensão que a mãe é capaz de realizar, da singularidade do seu bebê só pode ser atribuída a uma apreensão inconsciente. É o inconsciente da mãe que poderá captar as necessidades do infante. Da mesma forma, só podemos entender a apreensão que o bebê faz da atitude materna de acolhimento ou imposição, se considerarmos a capacidade de apreensão inconsciente também no bebê.
Freud foi o primeiro teórico a afirmar a imensa relevância da identificação no processo de subjetivação. Disse ele (1921, p.115): “A identificação é conhecida pela psicanálise como a mais remota expressão de um laço emocional com outra pessoa”. Em outro texto (1923, p.43-44), afirma: “os efeitos das primeiras identificações efetuadas na mais primitiva infância são gerais e
duradouros (…) trata-se de uma identificação direta e imediata”. A esse respeito, Plastino escreve:

“Ao estudar a identificação primária, processo que situa como sendo anterior á diferenciação do objeto e, obviamente, anterior ao acesso do indivíduo à linguagem, Freud a descreve como sendo
‘direta, imediata e não mediada’, operada através de uma ligação afetiva, sustentando uma modalidade de comunicação que ele denomina de empatia”. (PLASTINO, 2001, p.98).

A capacidade materna primária, descrita por Winnicott, está para além da percepção das necessidades de alimentação e higiene do lactente. Trata-se de percepções tão sutis que, segundo
o próprio autor, só um poeta seria capaz de expressar em palavras. Da parte dele, limita-se a “usar o verbo segurar (holding), e ampliar o seu significado para que possa abranger tudo aquilo que,
nesta ocasião, uma mãe é e faz” (Winnicott, 2006, [1966], p.4). O holding seria uma percepção sutil e intuitiva de necessidades simples do bebê: como ser tomado nos braços ou colocado sobre
uma superfície, ser mudado de posição ou ser deixado a sós. A esse respeito, Winnicott (1994,[1969], p.202) afirma: “(…) a sustentação confiável de um bebê é algo que precisa ser comunicado, e isto é questão das experiências do bebê. Exatamente aqui a psicologia envolve a comunicação em termos físicos, dos quais a linguagem é a mutualidade na experiência”. A experiência da mutualidade é uma troca afetiva fundamental para o desenvolvimento emocional do infante, mas que nem sempre se realiza. Um bebê pode ser carregado e alimentado pela mãe, sentir gratificação em termos de satisfações pulsionais, mas não viver esse tipo de comunicação ou reciprocidade em relação a sua mãe. A comunicação depende de uma situação de alimentação mútua, na qual o bebê também “dá de comer” e possui a idéia de que a mãe sabe ser alimentada. SegundoWinnicott:

“Os bebês se alimentam, e isso pode significar muito para a mãe, e a ingestão de comida concede gratificação em termos de satisfações pulsionais. Uma outra coisa, contudo, é a comunicação entre
o bebê e a mãe, algo que é uma questão de experiência e que depende da mutualidade que resulta das identificações cruzadas”. (WINNICOTT, 1994, [1969], p.198).

A partir das identificações cruzadas, a experiência de mutualidade é vivida por meio de uma comunicação silenciosa entre mãe e bebê. A mutualidade coloca em cena uma linguagem
corporal vivida pela dupla por meio de percepções sutis como as dos batimentos cardíacos, dos movimentos de respiração, do calor, da pele, do olhar, do tônus corporal. Quando a mãe pode
conter seu bebê em seus braços de forma harmoniosa, não haverá ruídos nesta comunicação. Ela naturalmente saberá quando apanhá-lo e quando deixá-lo quieto. Essa comunicação silenciosa, ou
de confiabilidade, protege o bebê das reações automáticas às intrusões da realidade externa, reações estas que romperiam sua linha de vida.

A linguagem tônica
Para compreendermos a importância da linguagem tônica para a psicomotricidade, devemos entender de que modo esta última se debruça sobre a questão tônica. Sabemos que o
tônus, grau de tensão involuntária presente em todo músculo do corpo humano, diminui nos estados de relaxamento muscular (hipotonia) e se eleva quando a musculatura se tensiona (hipertonia)

. No entanto, para além das variações fisiológicas necessárias para o movimento e o repouso, o tônus também sofre variações relacionadas com as tensões emocionais. Em momentos
de relaxamento, de satisfação e até de depressão o indivíduo apresenta um tônus mais rebaixado. Já num estado de excitação, de ansiedade, de raiva ou de euforia, o tônus muscular torna-se
elevado. Dessa forma, podemos compreender o tônus como aquilo que acompanha e exprime nossas tensões afetivas e que faz com que a consciência de nosso corpo seja diferente quando
estamos ansiosos, encolerizados, felizes, satisfeitos ou deprimidos (Lapierre 1987, p.43). A partir dessa perspectiva, a psicomotricidade se debruça sobre as relações que unem o tônus, o pano de
fundo de todo ato motor, à trama sobre a qual este se tece, a emoção, pesquisando, assim, a expressão mais primitiva dessa atividade especificamente humana que é a atividade de relação.
Num ambiente facilitador, o bebê poderá oscilar entre um estado de necessidade, que se manifesta pela elevação do tônus, e um estado de satisfação, que é paralelo à diminuição do

Não estamos nos referindo aqui aos estados patológicos como a hipertonia característica de determinadas neuropatias ou a hipotonia presente, por exemplo, na Síndrome de Down. 5
tônus. O equilíbrio desse comportamento tônico-emocional traduz a unidade do ser. Da mesma forma, as reações tônicas da mãe ao manejar a criança também traduzem fielmente sua emoção e
irão influir no tônus da criança. A mãe imprime suas emoções no corpo do lactente por meio do seu tônus e a criança responde a isso imediatamente e também transmite suas sensações por meio
do seu corpo, num ciclo contínuo. A esse processo primitivo de comunicação, a psicomotricidade deu o nome de “diálogo tônico”. Para Lapierre (1987, p.41), os elementos básicos da constituição
do psiquismo são os registros da qualidade do contato estabelecido nesse diálogo. O diálogo tônico alcança o seu nível mais profundo e gratificante durante a experiência de
holding vivida nos momentos de “contato sem atividade” entre mãe e bebê. Quando a mãe sustenta o bebê em seus braços de forma relaxada e inativa e o bebê responde da mesma maneira
ocorre um encontro de mútua entrega tônica no qual se criam as condições necessárias para que se manifeste o sentimento de unidade entre ambos. Em termos winnicottianos, diríamos que a
mãe suficientemente boa é aquela capaz de acolher naturalmente o bebê em seus braços com um tônus que não invade, nem abandona o lactente no vazio.
Anzieu (1988, p.228), no livro intitulado “Eu-Pele”, faz um pequeno comentário sobre a diferença entre a mãe hipertônica e a hipotônica. A hipertônica dá estímulos muito intensos,
bruscos para o bebê, fazendo com que este tenha que se proteger quantitativamente deste excesso, ao invés de filtrar qualitativamente os estímulos, como ocorreria num ambiente facilitador. Já a
mãe deprimida, voltada sobre si mesmo, se encontraria num estado de hipotonia que segundo o autor geraria estímulos exógenos muito fracos para o bebê. Neste caso, o lactente procuraria
estímulos endógenos, numa tentativa de compensação. Em ambos os casos, Anzieu afirma que o bebê desenvolveria o que Esther Bick chama de uma “segunda pele muscular”. Esta seria uma
exacerbação da musculatura do bebê – hipertonia – como um continente em substituição ao primeiro continente, a mãe, que por algum motivo falhou. A teoria da formação da segunda pele
muscular descrita por Bick nas palavras de Anzieu demonstram uma total afinidade com a teoria psicomotora. Para esta, o diálogo tônico será responsável não só pela constituição psíquica do
sujeito, mas também pelo seu tônus corporal, na medida em que psiquismo e corpo são instâncias imbricadas de uma mesma existência.
A maneira como a psicomotricidade aborda a fusionalidade também merece destaque. Para tal abordagem teórica, a relação mãe-bebê torna-se fusional quando há acordo tônico, ou
seja, quando ocorre, a partir do prazer recíproco, harmonia entre as pulsões tônicas do corpo da mãe com as do corpo da criança. Em termos winnicottianos, poderíamos dizer que a mãe
favorecedora é aquela que naturalmente segura e maneja seu filho com um tônus de entrega, acolhimento e sustentação, propiciando momentos de contato sem atividade e a conseqüente 6
vivência da fusionalidade. Haveria, então, uma espécie de “reunificação dos dois corpos, como um prolongamento de suas próprias tensões no corpo do outro; sensação de não-separação, de
perda dos limites do corpo, fantasia de fusão total” (Lapierre, 1987, p.43). Ainda sobre a fusionalidade dirá Lapierre:

“A criança não encontra uma certa plenitude fusional senão em contato de todo seu corpo com um corpo adulto; o corpo da mãe, ou de sua substituta, também o do pai e, em geral, qualquer corpo
que a deseja. Para que esse contato seja “pleno”, é preciso que sua superfície seja tão larga e extensa quanto possível, envolvendo de algum modo todo o corpo do bebê. Para que seja fusional,
é preciso que a qualidade desse contato permita à criança investir no corpo do adulto como parte dele mesmo. As condições que favorecem esta fusão são: o calor do corpo, o contato com a pele, o
hálito, o ato de embalar, o aleitamento, o olhar, a voz e, sobretudo, o acordo das tensões tônicas”. (LAPIERRE, 1984, p.11).

O contato sem atividade é compreendido pela psicomotricidade como o fundamento para o surgimento da unidade mãe-bebê. A mãe favorecedora, que não invade, nem abandona o bebê
no vazio, é aquela que pode viver um acordo tônico silencioso e profundo com o lactente. Esta comunicação corporal entre mãe e bebê servirá de base para a elaboração progressiva das
relações posteriores do indivíduo, na medida em que as experiências corporais vividas pelo bebê ficam corporalmente registradas. Freud (1923, p.39), na segunda tópica, afirma que “o ego é,
primeiro e acima de tudo, um ego corporal”, exatamente por derivar das sensações corporais. De maneira semelhante, a psicomotricidade afirmará que a forma “mais primitiva do inconsciente é o
corpo” (Le Boulch, 1982, p.38), e acrescentará que é no contato com o corpo do outro que as sensações corporais mais importantes serão registradas.

Estados excitados e tranquilos
Amplamente discutida pela psicomotricidade, a questão tônica também pode ser relacionada aos aspectos da teoria do desenvolvimento emocional primitivo de Winnicott, especialmente no que diz respeito aos estados excitados e tranquilos. Quando os estados psicomotores de quietude e excitação são vividos a partir do cerne do bebê, ou seja, quando o ambiente permite que o infante se desenvolva a partir da sua singularidade, será muito mais fácil para ele desenvolver seu processo de personalização. Para compreendermos tal relação, descreveremos alguns conceitos básicos elaborados pelo autor. Winnicott dá o nome de personalização especificamente à tarefa de alojamento da psique no corpo. Ele afirma que somente quando há alguém que reúna o bebê nos braços e no olhar é que o lactente pode desenvolver progressivamente um sentimento de pertencer ao seu próprio corpo. O manejo (handling) é o cuidado materno que possibilita a tarefa de alojamento da psique no corpo. O manejar faz parte do acolher (holding), mas refere-se especificamente ao segurar físico. No manejar devem estar incluídas todas as experiências sensoriais necessárias:

“ser envolvido, por todos os lados, num abraço vivo, que tem temperatura e ritmo e que faz o bebê sentir tanto o corpo da mãe como o próprio corpo; ser aconchegado no berço de modo a
permanecer tocado pelas mantas e almofadas e não solto no espaço; as inúmeras sensações táteis ao ser manejado de todas as formas, banhado, acariciado, afagado, cheirado; (…) a oposição
necessária para o bebê exercitar a motilidade” (DIAS, 2003, p.210).

Todas essas experiências possibilitadas pela mãe favorecerão a associação psicossomática, pois, como dizia Winnicott, “nestes estágios o cuidado físico é um cuidado
psicológico” (Winnicott, 1990b [1954]: 137).

O bebê excitado encontra-se num estado que a psicomotricidade chama de “hipertonia de apelo”, já o bebê que se encontra num momento de satisfação ou tranqüilidade, vive o chamado
estado de “hipotonia de satisfação”. A vivência harmônica de ambos os estados auxilia as tarefas de integração e personalização do bebê. Segundo Winnicott (1990b, p.143-144), o erotismo
muscular e a movimentação espontânea do lactente favorecem a coexistência entre psique e soma, e conseqüentemente, o processo emocional primitivo de personalização. De fato, se a mãe
permite que a vivacidade do bebê se expresse, a motilidade funde-se paulatinamente à tensão instintual. Isso leva ao favorecimento da elaboração imaginativa das funções corpóreas e
conseqüentemente à facilitação do alojamento da psique no corpo. Dessa forma, não só o estado de hipotonia de satisfação, mas também o de hipertonia de apelo se mostram relacionados com os estágios de integração e personalização. Ambos os estados se alternam permanentemente, e a delicada passagem de um para o outro será algo com que o indivíduo terá que lidar ao longo da
vida.
A compreensão do momento específico em que emerge o estado excitado no bebê nos parece um tema relevante para a presente discussão. Para entendê-lo melhor, partamos do
princípio que o lactente se encontra num estado tranquilo – está dormindo, ou simplesmente repousando. Em determinado momento surge um impulso, e a partir desse impulso desenvolve-
se uma tensão que, rapidamente, se transforma numa urgência. O bebê é, então, tomado por uma expectativa indeterminada – “um estado de coisas no qual o bebê está preparado para encontrar 8
algo em algum lugar” (Winnicott, 1990b [1954]: 120) –, e que desembocará no gesto espontâneo. O impulso inicial a que estamos nos referindo provém de duas fontes ou duas
manifestações do “estar vivo” do bebê: a agressividade – sob a forma de motilidade – e o erotismo. Entendemos, aqui, a agressividade como um movimento espontâneo característico do amor primitivo, uma capacidade de ação que se difere de um ato violento contra algo, característico da agressão. Nessa fase inicial, não há nenhuma preocupação por parte do bebê em
relação às conseqüências do seu amor excitado. Durante esse estágio teórico de ausência de concernimento (pré-concernimento), o infante não se sente responsável pelos resultados da sua
impulsividade instintual, uma vez que não tem a intenção de destruir. No desenvolvimento saudável, agressividade e erotismo convergem, mesmo que essa convergência não seja total, sobrando um quantum de motilidade. A esse quantum restante se faz necessário uma oposição externa que ponha em exercício a força muscular do bebê, de modo a dar realidade ao impulso.

A esse respeito dirá Dias:
“O sentido de real, diz Winnicott em 1950, origina-se especialmente das raízes motoras (e sensoriais correspondentes), e quando, nas experiências instintivas, há uma fraca infusão do
elemento motor, estas não fortalecem o sentido de realidade ou de existir. Disto decorre, muitas vezes, que as experiências instintuais passem a ser evitadas, precisamente porque levam a pessoa
a uma sensação de não existir”. (DIAS, 2003, p.183).

Na medida em que o ambiente permite que motilidade e erotismo convirjam, a agressividade vivida pelo bebê proporciona a ele o sentimento de ser real, de estar vivo. A fusão da motilidade e do erotismo faz parte da tendência natural à integração do ego. No entanto, a atualização dessa tendência – e em graus diversos – depende do comportamento do ambiente, que proporcionará a esse processo um caráter favorável ou, ao contrário, um caráter sufocador.
Num ambiente favorecedor, que acolhe o aspecto agressivo do impulso amoroso primitivo, todo o percurso deslanchado pelo erotismo torna-se uma experiência que favorece a coesão psicossomática do bebê e, conseqüentemente, fortalece o ego. Dessa forma, podemos afirmar que os estados excitados também são responsáveis pela personalização, bem como a vivência dos estados tranquilos.
Os estados tranquilos, ou de hipertonia, permitem ao bebê existir sem ser alguém que reaja às contingências externas ou que esteja ativamente direcionado para algo. Tal fato será fundamental para que os estados excitados, ou de hipertonia, possam ser sentidos como reais. O impulso, mencionado anteriormente, ao surgir e se tornar uma urgência, só será de fato uma experiência, algo que faz com que o bebê se sinta vivo, se tiver partido de um estado de repouso e não-integração.

“[Num ambiente facilitador] a criança adquire a capacidade de se tornar não-integrada, (…) de estar num estado em que não há orientação. Com o passar do tempo, surge uma sensação ou um impulso. Nesse estado, a sensação será sentida como real e será verdadeiramente uma experiência pessoal.” (WINNICOTT, 1983 [1958]: 35).

Sobre a não-integração, podemos dizer que assim que o bebê nasce – num início teórico –, a personalidade do bebê ainda não está integrada. Dirá Winnicott (1990b, p.153): “No início há a não-integração, não há vínculo algum entre corpo e psique, e não há lugar para a realidade não-EU(…). Teoricamente, este é o estado original”. A partir de então, o bebê, devido a sua tendência inata ao desenvolvimento, pode iniciar seu processo de integração durante o qual as flutuações entre momentos de integração e de não integração são esperadas e consideradas saudáveis. “Na
vida da criança normal, o descanso deve poder incluir o relaxamento e a regressão para a não-integração” (Winnicott, 1990a, p.138). Mesmo na fase adulta, quanto mais o sujeito puder
usufruir a experiência de não-integração, mais flexibilidade psíquica terá. A esse respeito, Winnicott afirma:

“É freqüente presumir-se que, na saúde, o indivíduo encontra-se sempre integrado (…). No entanto, muito do que chamamos sanidade é, de fato, um sintoma, carregando dentro de si o medo
ou a negação da loucura, o medo ou a negação da capacidade inata de todo indivíduo de estar desintegrado”. (WINNICOTT, 2000, [1945], p.225).

O medo de se desintegrar faz parte das agonias impensáveis presentes nos primórdios da subjetividade, assim como o medo de “cair para sempre”, de falhar na vivência de estar no corpo,
de perder a capacidade de se relacionar com os objetos, de perder o senso do real, de se liquefazer. Essas agonias primitivas fazem parte do início da vida, visto que o lactente é um “ser imaturo que está continuamente a pique de sofrer uma ansiedade inimaginável” (Winnicott, 1983 [1962]: 57). As ansiedades inimagináveis podem ser amenizadas pela função vitalmente importante da mãe suficientemente boa, a qual proporciona ao bebê a capacidade de iniciar a maturação do ego sem grandes problemas. Neste sentido, Winnicott afirma que a função do bebê de auto-integrar-se pode ser prejudicada se não houver alguém que facilite este processo:

“(…) o bebê que não teve uma única pessoa que lhe juntasse os pedaços começa com desvantagem a sua tarefa de auto-integrar-se, e talvez nunca o consiga, ou talvez não possa manter a integração de maneira confiante” (WINNICOTT, 2000, [1945], p.224).

A importância da corporeidade para o psiquismo infantil se torna evidente na expressão usada pelo autor: “que lhe juntasse os pedaços”. Há uma necessidade de que a mãe sejanaturalmente a continência corporal para o seu bebê, já que ele ainda não pode vivenciar essa sensação a partir do seu próprio corpo. O bebê saudável passa por longos momentos nos quais ele não se importa em ser uma porção de pedacinhos, desde que, de tempos em tempos, se sinta uma unidade. Quando o bebê possui alguém que “junte seus pedaços” e propicie os cuidados necessários para o seu amadurecimento, ele pode, ao longo do seu primeiro ano de vida, dar mais um passo no seu desenvolvimento e se integrar. A partir de então, o estado de não-integração será vivido, por exemplo, durante os sonhos e em momentos de profunda entrega ou criação. A vivência dos momentos de não-integração será a base para que o bebê possa desenvolver um dos mais importantes sinais de amadurecimento emocional e saúde psíquica: a capacidade do indivíduo em estar só. Tal capacidade depende intrinsecamente da experiência de ter estado só na presença da mãe, pois, paradoxalmente, só a partir desta vivência é que o infante poderá desenvolver a possibilidade de viver a solidão sem ameaça de colapso. A este respeito dirá Winnicott, “a base da capacidade de ficar só é um paradoxo; é a capacidade de ficar só quando mais alguém está presente” (Winnicott, 1983 [1958]: 32). Trata-se de mais uma observação sutil do autor sobre um tipo muito especial de relação que se dá entre o bebê e a mãe quando esta está confiantemente presente, mesmo que em alguns momentos representada pela própria atmosfera. “Somente quando só (isto é, na presença de alguém) é que a criança pode descobrir sua vida pessoal própria” (idem, p.35). Nesse estágio precoce, o infante necessita da presença do outro para desenvolver a capacidade de estar só, ainda que na presença de alguém.
Paulatinamente, a presença da mãe suficientemente boa, – seu cheiro, seu toque, seu batimento cardíaco, sua voz, seu olhar –, permite que o infante introjete o ego auxiliar da mãe e desenvolva
a capacidade de estar só sem apoio freqüente da mãe ou de um símbolo de mãe. “Gradualmente, o ambiente auxiliar do ego é introjetado e construído dentro da personalidade do indivíduo de
modo a surgir a capacidade de estar realmente sozinho. Mesmo assim, teoricamente, há sempre alguém presente, alguém, que é, no final das contas, equivalente, inconscientemente, à mãe (…)”
(idem, p.37).

Conclusão
Tentamos mostrar brevemente neste trabalho a importância da relação tônica para a construção da subjetividade. A fusionalidade, descrita por Winnicott como fundamental para o  desenvolvimento criativo do infante, ocorrerá, num enfoque psicomotor, como conseqüência da harmonia entre as pulsões tônicas da mãe e do bebê. Será a fusão tônica que permitirá ao lactente
a vivência de estados de não-integração e a experiência de gestos espontâneos que, se acolhidos pela mãe, permitem a autocriação do sujeito a partir do verdadeiro self. Dessa forma, consideramos a possibilidade de entrega tônica da mãe – intimamente relacionada com seu desejo inconsciente – como o início do processo do desenvolvimento emocional primitivo do infante.
Ao longo do artigo, procuramos atentar para o fato de que tantos os estados hipotônicos quanto os hipertônicos são fundamentais para o processo de construção da subjetividade do infante. Os momentos de hipotonia são vividos inicialmente no contato sem atividade com a mãe favorecedora. Esta experiência de acordo tônico possibilita que o sujeito tenha suas primeiras vivências de não-integração, as quais propiciarão o retorno a esses momentos de entrega ao longo da vida. Com isto, compreendemos o quanto o diálogo tônico estabelecido nos primórdios da vida será a base para a flexibilidade psíquica do sujeito.
Além disso, ao sentir confiança na qualidade tônica da mãe e se entregar ao momento de não-integração, o bebê estará desenvolvendo sua capacidade de estar só, ainda que inicialmente
na presença do outro. Estar só é, para Winnicott, estar em contato com o verdadeiro self, com “o eu central que não se comunica para sempre imune ao princípio da realidade e para sempre
silencioso. Aí a comunicação é não-verbal; é como música das esferas, absolutamente pessoal” (Winnicott, 1983 [1963], p.174).

Se ao relaxar e se entregar à contemplação, o bebê suficientemente bem sustentado pode viver a não-integração e os estados de hipotonia, ao “despertar”, ele vive um impulso em forma
de gesto espontâneo, em um momento de hipertonia que será acolhido pela mãe favorecedora que mostra que o mundo continua lá, presente. Neste caso, a elevação tônica é harmônica porque
parte do cerne do bebê, parte do seu estado de não-integração e a presença constante e confiante da mãe permite o desenvolvimento da capacidade de “acreditar em…”. Dessa forma, os estados
de hipertonia e hipotonia podem se alternar de forma harmoniosa na vida do bebê, permitindo que ele vá se constituindo psiquicamente a partir do diálogo tônico originário.

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