TOLEDO, Sabrina. Psicomotricidade e Expressão na educação infantil in FERREIRA, C. A. M. (Org.); HEINSIUS, A. M. (Org.); BARROS, D. R. (Org.). “Psicomotricidade Escolar”. Rio de Janeiro: Wak, 2008. (ISBN 978-85-88081-89-5)
Sabrina Toledo é Doutora em Saúde Coletiva (IMS-UERJ), Psicomotricista (IBMR) e Técnica em Recuperação Motora e Terapia através da Dança (Escola Angel Vianna).

PSICOMOTRICIDADE E EXPRESSÃO CORPORAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL

O presente artigo tem como objetivo ressaltar de que forma o psicomotricista pode usar a Expressão Corporal como uma ferramenta de trabalho em sua prática na Educação Infantil, mais especificamente com crianças de 4 a 6 anos. Para isso utilizamos o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI), documento do Ministério de Educação e Cultura de 1998, formado por uma série de orientações pedagógicas que auxiliam na implantação de práticas educativas e criam o ambiente necessário para o exercício da cidadania. O RCNEI amplia o significado do corpo na Educação Infantil e mostra a importância da variação tônica, da motricidade e da expressividade presentes no movimento. Intencionamos, então, mostrar como o psicomotricista está apto para desenvolver todos os objetivos citados no Referencial, e como a Expressão Corporal o auxilia nessa tarefa.

Educação Infantil no Sistema Educacional Brasileiro

As instituições de Educação Infantil foram incluídas recentemente no sistema educacional brasileiro. A Constituição Federal de 1988 foi a primeira a inserir, em seu capítulo relativo à educação, as creches e pré-escolas. Desde então, o atendimento educacional às crianças entre zero e seis anos tornou-se, do ponto de vista legal, um dever do Estado e um direito da criança. Com intenção de colocar em prática as leis constitucionais, a nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB), promulgada em dezembro de 1996, afirma na Composição dos Níveis Escolares que a primeira etapa da educação básica, a Educação Infantil, tem como objetivo o desenvolvimento integral da criança no que diz respeito aos seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, atendendo as crianças de até três anos nas creches e de quatro a seis anos nas pré-escolas. A partir dessas diretrizes, o Ministério da Educação e Desporto passa a incluir a Educação Infantil no sistema educacional público
brasileiro e propõe a criação do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Tal Referencial surge como um novo paradigma na educação das crianças de até seis anos e parte
do princípio de que essa primeira etapa da educação básica tem um papel fundamental na inserção das crianças no universo econômico, político, social e cultural da realidade brasileira
e permite a formação de cidadãos.

Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI)

O RCNEI é constituído de três volumes: “Introdução”, “Identidade e Autonomia” e “Conhecimento de Mundo”. No primeiro volume é realizada uma reflexão sobre a Educação Infantil no Brasil e as concepções atuais de criança, educação instituição e educador. É fato de que a maioria das creches no Brasil nasceu da tentativa governamental de assistir às crianças de baixa renda, amenizar sua pobreza e resolver problemas ligados à sobrevivência delas. Houve uma espécie de segregação institucional, pois só os pobres eram atendidos, numa tentativa de atenuar as supostas carências de uma população de baixa renda. Tal pensamento contribuiu em muito para que a Educação Infantil, e principalmente as creches fossem vistas como um lugar de compensação, com características assistencialistas, no qual os cuidados com as crianças se resumiam aos cuidados físicos: alimentar, higienizar e “tomar conta”. Para transformar essa visão reducionista, é preciso assumir as especificidades da Educação Infantil e entende-la como um espaço responsável por promover a integração dos aspectos físicos, afetivos, cognitivos e sociais da criança. As instituições infantis têm como objetivo desenvolver a individualidade e a cidadania de cada criança mediante atividades pedagógicas, brincadeiras e cuidados necessários para o seu bem-estar.

Educar significa, portanto, propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança, e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural. Neste processo, a educação poderá auxiliar o desenvolvimento das capacidades de apropriação e conhecimento das potencialidades corporais, afetivas, emocionais, estéticas e éticas, na perspectiva de contribuir para a formação de crianças felizes e saudáveis. (Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, 1998)

A Educação Infantil passa a ser vista como a parte inicial e fundamental de um amplo processo de educação que tem a sua continuidade nos vários níveis posteriores do ensino fundamental.

Movimento

O terceiro volume do Referencial diz respeito à experiência de Conhecimento de Mundo e é dividido em seis documentos diferentes: Movimento, Música, Artes Visuais, Linguagem Oral e Escrita, Natureza e Sociedade e Matemática. Neste artigo, abordaremos o documento relativo ao Movimento, intimamente relacionado com a prática da Expressão Corporal numa abordagem psicomotora.
Segundo o Referencial, o movimento humano é muito mais do que um ato motor, é uma das formas que a criança possui para expressar sentimentos, emoções e pensamentos, uma linguagem que possibilita agir e atuar sobre o meio físico, mobilizando o outro por meio de seu teor expressivo. Tal documento aponta o tempo todo para o caráter psicomotor do movimento pois o aborda para além da motricidade e do instrumental, encarando-o como algo subjetivo e expressivo, exatamente como faz a Psicomotricidade. O Referencial mostra o quanto a cultura modela a construção do movimento, pois os significados dele são construídos a partir de diferentes interesses e possibilidades corporais presentes em cada sociedade. É na cultura que gestos, posturas e expressões são significados, e é por intermédio dela que as diversas manifestações corporais são produzidas em forma de danças, jogos, brincadeiras, esportes. Quando a criança brinca, imita e dança, apropria-se do repertório da cultura corporal da qual faz parte, fortifica-se enquanto indivíduo ao mesmo tempo que afirma sua existência enquanto ser social.
Para que a criança vivencie toda a sua psicomotricidade e possa refletir sobre o uso do seu corpo no dia-a-dia, é necessário que haja um espaço para isso nas instituições infantis, tanto espaço físico, como uma ideologia que reconheça a importância do movimento no seu aprendizado. É preciso que as crianças se sintam acolhidas e ao mesmo tempo confiantes para experimentar com segurança os mais diferentes movimentos, desta forma poderão vivenciar seus corpos de maneiras diversas, tanto em relação à motricidade quanto à expressão.
Algumas vezes, além de prazer e alegria, a exposição de seus corpos pode gerar sentimentos como raiva, vergonha e medo. Tais aspectos precisam ser levados em conta pelo educador
para ajudar os alunos a lidar de forma positiva com os limites e possibilidades corporais. Para que esse trabalho possa ocorrer de maneira satisfatória, é necessário que o profissional da pré-escola esteja muito atento à expressão do seu próprio corpo e à maneira como seus movimentos respondem às necessidades e manifestações afetivas da criança. “Não esquecer o próprio corpo enquanto veículo expressivo, valorizando e adequando os próprios gestos, mímicas e movimentos na comunicação com a criança é uma das primeiras atitudes pedagógicas a tomar em sua relação com ela.” (RCNEI- Versão preliminar – Brasília: MEC/SEF, 1998, p.15). O conhecimento do próprio corpo citado no Referencial só é possível para um profissional que tenha vivenciado, com qualidade, a prática psicomotora.

Diferentes Concepções:

Há diferentes concepções acerca do movimento na Educação Infantil. Uma visão acredita ser necessário impor rígidas restrições posturais às crianças e suprimir o movimento, pois este é sinônimo de indisciplina. Nesse caso, os alunos costumam aguardar muito tempo em filas, sem mover-se, ou predomina a realização de atividades sistematizadas, como montar, desenhar, colar, em que qualquer deslocamento é visto como desordem. Segundo essa concepção, o movimento é visto como algo que atrapalha o desenvolvimento – quando sabemos que é justamente o contrário –, e temos como conseqüência a hostilidade ou a passividade da criança.
Num segundo ponto de vista, encontramos escolas nas quais o aluno pode movimentar-se, mas só de acordo com algum modelo prévio, ou em um determinado período curto de tempo (como no recreio), apenas para despender energia física e poder voltar às atividades importantes que requerem concentração. O movimento é aceito, mas não ocupa seu verdadeiro lugar na aprendizagem .
Há ainda a visão desportiva que, mesmo na Educação Infantil, reduz o movimento à prática de esportes, sem levar em consideração as reais possibilidades de ação da criança pequena, deixando-a desassistida, pois ainda não compreende muito os movimentos e as regras necessárias para esse tipo de atividade. O Referencial traz uma outra concepção do movimento, na qual este é visto como o eixo do trabalho na Educação Infantil, e é abordado para além da sua função cinética, como aparece reduzido muitas vezes na prática de esportes e em danças padronizadas nas pré-escolas. É a única visão que aponta para a importância da função tônica do movimento, ou seja, para as variações musculares responsáveis pela qualidade dos gestos, pela manutenção da postura e pelo equilíbrio.

“Do ponto de vista da atividade muscular, os recursos de expressividade correspondem a
variações do tônus (grau de tensão do músculo), que responde também pelo equilíbrio e
sustentação das posturas corporais”
(RCNEI – Brasília: MEC/SEF, 1998, volume 3, p.24). 4

Para a Psicomotricidade, o tônus não só é o pano de fundo de qualquer ato motor, como também é a trama na qual todas as emoções são tecidas. A vivência de qualquer sentimento está sempre relacionada ao comportamento tônico do indivíduo. Essa função comunicativa do tônus encontra sua origem na relação mãe-bebê. Isso fica bastante claro nos momentos de prazer e desprazer da criança, ligados à distensão e à tensão respectivamente. O desconforto (ausência da mãe, fome, frio) aparece num corpo tenso, rígido, no qual a hipertonia de apelo se faz visível no bebê, já o conforto (saciedade, satisfação) aparece num corpo calmo, tranqüilo, numa hipotonia de satisfação. Essa relação entre o tônus e a emoção, que persiste durante toda a vida do ser humano, é um dos grandes objetos de estudo da Psicomotricidade e é sempre levada em conta em qualquer prática psicomotora. O trabalho tônico na Educação Infantil deve ser proposto a partir de uma percepção
gradual do próprio corpo pela criança, estimulando-a a usá-lo de maneira criativa. Tal compreensão da expressividade corporal por meio da variação tônica é semelhante ao trabalho de qualidades de movimento desenvolvido por Laban, posteriormente por Stokoe, e no trabalho desta autora.

Histórico da Psicomotricidade

Foi em 1909 que o médico psiquiatra Dupré, ao identificar o paralelismo entre as manifestações motoras e psíquicas, usou, pela primeira vez, o termo “psicomotricidade”. O termo, ainda separado por hífen, apareceu para descrever uma nova abordagem médica a qual percebia que certos fenômenos patológicos ultrapassavam o modelo anátomo-clínico, havendo uma estreita relação entre anomalias psíquicas e motoras. Os pesquisadores dessa área dividiam-se em dois grupos: de um lado havia a corrente neurológica, que investigava os aspectos anatomofuncionais da motricidade e suas relações; do outro, havia a investigação psicológica da realização e significação da motricidade.  Segundo a etimologia, a palavra Psicomotricidade é formada por dois termos de raízes
diferentes: a palavra grega psyché, traduzida por “alma”, e a palavra latina motorius, traduzida por “que tem movimento”. A Psicomotricidade é a ciência que tem como objeto de estudo o ser humano e sua relação com o corpo, numa tentativa de acabar com a dicotomia platônica de mente e corpo, reafirmada por Descartes e por toda a filosofia clássica (Coste, 1981, p.9).
Segundo a Psicomotricidade, o homem é o seu corpo. Os objetivos dessa técnica, de acordo com esse autor, são desenvolver as faculdades expressivas do indivíduo, possibilitando-lhe conscientizar-se de seus gestos e sentir-se bem em relação ao seu corpo. De acordo com a definição adotada pela Sociedade Brasileira de Psicomotricidade (1982), “Psicomotricidade é a ciência cujo objeto de estudo é o homem através do seu movimento e sua relação com o mundo interno e externo.” Essa ciência tem um campo de estudo e de prática abrangente, divido didaticamente em educação, reeducação e terapia.

Educação Psicomotora

A proposta de Movimento feita pelo Referencial é de máxima importância para as escolas de Educação Infantil. Ela aponta para um novo paradigma do movimento e sua expressividade, busca proporcionar experiências às crianças para que elas se tornem indivíduos conscientes, responsáveis e criativos. Consideramos que o profissional apto a realizar esse projeto é o psicomotricista.

Quando a Psicomotricidade é usada na prática educativa das escolas, é chamada de Educação Psicomotora. Muitos autores desenvolveram diferentes métodos para a atuação do psicomotricista na educação, entre os quais se destacam: Jean Le Boulch, Pierre Vayer, André Lapierre e Bernard Aucouturier. Todos têm como objetivo atingir a disponibilidade corporal da criança, favorecer seu desenvolvimento psicomotor e propiciar sua integração escolar e social.

No presente trabalho, optamos por usar como método psicomotor a Expressão Corporal, desenvolvida pela bailarina e psicomotricista argentina Patricia Stokoe. A Expressão Corporal é usada para diferentes fins, mas possui uso claro e definido na Educação Infantil como um método de Educação Psicomotora. A Expressão Corporal parte da compreensão dos fenômenos psicomotores e deseja iniciar na criança a busca e a afirmação da sua própria linguagem corporal, o que define a Expressão Corporal como essencialmente psicomotora.
A Expressão Corporal possibilita à criança desenvolver uma consciência de si mesmo como um ser íntegro: sensível, material e espiritual, com uma rica capacidade de sentir e expressar suas idéias e emoções por intermédio do seu corpo, o que torna ests prática essencialmente psicomotora (Schinca, 1991, p.13).

Fundamentação Teórica

Objetivos da Educação Infantil e do Movimento

A Psicomotricidade contribui para todos os objetivos citados no Referencial, tanto os objetivos específicos que o trabalho com o movimento deve ter, quanto os que a Educação Infantil como um todo deve alcançar. Transcrevemos a seguir alguns desses objetivos citados no documento para desenvolvermos a idéia de que a prática da Expressão Corporal baseada na Educação Psicomotora atua diretamente sobre todos esses objetivos:
– “Desenvolver uma imagem positiva de si, atuando de forma cada vez mais independente, com confiança em suas capacidades e percepção de seus limites.” Para desenvolver uma imagem positiva de si, é necessário que a criança encontre na escola um ambiente onde possa ser “vista e ouvida” na sua individualidade, onde possa ressignificar simbolicamente suas emoções, para poder formar uma imagem corporal positiva de si mesma. É nesse sentido que a prática psicomotora atua. Ela possibilita que a criança descubra seu corpo, vivencie trocas afetivas, estabeleça vínculos e formas de comunicação e amplie suas relações sociais, aspectos citados no Referencial e essenciais para a sua formação.
A prática psicomotora na educação é para a criança um espaço acolhedor e seguro no qual ela poderá experimentar o prazer de movimentar-se, no qual viverá sua sensório-motricidade e será ouvida e reconhecida em sua maneira singular de ser e estar no mundo. Foto 1 – Atividades lúdicas que permitam o desenvolvimento da coordenação global e o conhecimento progressivo dos limites e possibilidades psicomotoras, possibilitando que a criança se torne cada vez mais segura e independente.

– “Descobrir e conhecer progressivamente seu próprio corpo, suas potencialidades e seus limites, desenvolvendo hábitos de cuidado com a sua própria saúde e bem-estar.”
– “Apropriar-se progressivamente da imagem global de seu corpo, conhecendo e identificando seus segmentos e desenvolvendo cada vez mais uma atitude de interesse e cuidado com o próprio corpo.”
– “Construir uma imagem do próprio corpo.”
– “Observar e explorar o ambiente com atitude de curiosidade, percebendo-se como integrante e agente transformador do meio ambiente.”
– “Deslocar-se no espaço com segurança e destreza.”

Descobrir e conhecer o próprio corpo é o que nós chamamos de esquema corporal. A etapa do “corpo vivido” corresponde à organização do esquema corporal. A partir desse período, estarão associadas à imagem visual do corpo as sensações táteis e as sensações cinestésicas correspondentes (Le Boulch, 1982). É neste sentido de tornar as sensações mais conscientes que a Psicomotricidade atua, ampliando e aprofundando a noção de esquema corporal das crianças.
Para um conhecimento progressivo do corpo e dos seus limites e possibilidades, é essencial um trabalho de sensopercepção e motricidade. O despertar dos sentidos permite-nos ter uma percepção mais cabal do nosso corpo, de suas possibilidades e limitações, para que possamos descobrir os limites de segurança mediante explorações cada vez mais amplas do espaço. É neste sentido que a criança observa e explora o ambiente com curiosidade, percebe-se como agente transformador e melhora a sua coordenação motora global e destreza. Dessa forma, torna-se mais segura do seu próprio corpo e de si mesma.

– “Estabelecer vínculos afetivos e de troca com o outro, ampliando sua possibilidade de comunicação e interação social.”
– “Ampliar cada vez mais as relações sociais, respeitando a diversidade e desenvolvendo atitudes de ajuda e colaboração.”
A comunicação é um dos principais objetivos da Prática Psicomotora. O corpo é a primeira forma de expressão do ser, e é pelo viés da comunicação corporal que todas as outras formas de troca se dão. Os vínculos afetivos e de troca são pontos fundamentais na construção da subjetividade na formação da imagem corporal, que é o núcleo central da personalidade do ser humano. Aucouturier (1994) afirma que “Formar a criança no prazer de comunicar é, antes de tudo, ajudá-la a sair de si mesma”. Um dos principais ganhos que a criança tem com esse trabalho corporal é o desenvolvimento da sua capacidade de estabelecer relações, de comunicar-se, expressar seus medos e desejos, sua singularidade..
Foto 2 – As crianças estabelecem relações de troca e ajuda para juntas superar os obstáculos.

– “Brincar, expressando emoções, sentimentos, pensamentos e desejos e necessidades.”

Toda criança, num ambiente favorecedor, exprime seus desejos e fantasmas por meio de um agir simbólico. É por meio das suas brincadeiras que a criança expressa seus sentimentos. É de máxima importância que exista nas escolas um ambiente adequado, como a prática psicomotora, onde ela possa expressar-se e ser auxiliada por um adulto, que tenha atenção para as formas de comunicação não-verbal, como o psicomotricista. O psicomotricista deve atentar para o tipo de atividade criadora que permite à criança a expressão de sua singularidade e a evolução da sua imagem corporal. A Psicomotricidade reconhece o valor do brincar e o incentiva em suas práticas.

Foto 3 – Durante a exploração tátil dos tecidos, a criança faz uso deles para expressar sentimentos, idéias e desejos de forma lúdica e prazerosa.

– “Utilizar as diferentes linguagens (corporal, musical, plástica, oral e escrita) de forma a expressar idéias e sentimentos, enriquecendo cada vez mais sua capacidade expressiva.”
A Expressão Corporal enquanto prática psicomotora se utiliza de estímulos sonoros, literários e visuais para enriquecer e aprofundar a linguagem corporal. A partir dessa concepção, diferentes linguagens artísticas também são exploradas como forma de comunicação. Foto 4 – Contar histórias é um recurso e um estímulo para atividades psicomotoras. Na foto, o livro sobre os dedos e a curiosidade infantil sobre a origem do nome indicador (aquele que indica).

Foto 5 – As artes plásticas aparecem inseridas no trabalho psicomotor.

A psicomotricidade fina é trabalhada ludicamente em atividades como pintar um bicho na mão e mover-se como ele. Na foto a criança pintou um pato.

– “Conhecer algumas manifestações culturais, demonstrando atitude de interesse, respeito e participação frente a elas, valorizando a diversidade.”
A Psicomotricidade e a Expressão Corporal podem contribuir para o conhecimento das manifestações culturais presentes em cada sociedade. Há muitos temas a ser estimulados e construídos com as crianças, de acordo com o interesse delas. No folclore brasileiro, por exemplo, temos: saci-pererê, mula-sem-cabeça, Iara, boitatá, curupira. Podemos trabalhar os aspectos corporais dos personagens, a questão do medo e usar o estímulo literário ao contar histórias. Dessa forma, além de valorizar a nossa cultura incentiva-se a leitura.

Foto 6 – A criança imita um saci-pererê fumando cachimbo: a diversidade cultural e o equilíbrio são trabalhados no brincar.

– “Ampliar as possibilidades expressivas do próprio movimento.”
– “Explorar diferentes qualidades e dinâmicas do movimento como força, velocidade, resistência e flexibilidade, conhecendo gradativamente os limites e as potencialidades de seu corpo.”
– “Explorar as possibilidades de gestos e ritmos corporais.”
– “Controlar gradualmente o próprio movimento.”
A prática psicomotora da Expressão Corporal possibilita tais aquisições, por exemplo, quando o aluno é levado a explorar seu movimento por meio das diferentes qualidades de movimento e experimenta diferentes dinâmicas e ritmos, para depois usar seu corpo na expressão de sentimentos e criação de movimentos. É mediante a pesquisa e criação corporal que a criança vai poder explorar o movimento e, posteriormente, antecipar sua ação.
O trabalho psicomotor possibilita que a criança descubra seus limites e também suas potencialidades corporais mediante explorações cada vez mais amplas. Aos poucos poderá
gozar da sensação de vertigem, do salto e da velocidade, sem colocar sua integridade física em risco. Ao mesmo tempo que seu esquema corporal é desenvolvido, ela pode expressar seus sentimentos a partir do olhar do outro, o que transforma sua imagem corporal. “A partir do conhecimento de seu próprio corpo a criança aprende a percebê-lo, querê-lo e não sentir-se
envergonhada ou incomodada por causa dele.” (Stokoe, 1987, p.30)

Foto 7 – Trabalho sensório-motor com os filós: explorando a suavidade dos movimentos corporais.
Foto 8 – O prazer de saltar nos filós. 8

Tônus

No Referencial, o tônus é visto como o grande diferencial das concepções existentes sobre o movimento, por ser o responsável pela qualidade dos gestos e pela manutenção da
postura e do equilíbrio. A Psicomotricidade sempre esteve atenta para ao tônus. A função tônica é a função fundamental da abordagem psicomotora. O tônus é um fenômeno nervoso
que participa de todas as funções psicomotoras (equilíbrio, dissociação, coordenação). Está intimamente relacionado com o psiquismo, e é suporte para a linguagem corporal e a expressão de emoções.
É por intermédio de um diálogo tônico que se dá a comunicação entre a mãe e o bebê, no qual um percebe o outro pelo tônus corporal. O bebê aflito encontra-se num estado de hipertonia de apelo; quando está satisfeito, num estado de hipotonia de satisfação. Segundo a Psicomotricidade toda emoção tem origem na atividade tônica. Cabe ao psicomotricista estar muito atento às variações tônicas que a criança apresenta durante a sessão de psicomotricidade na Educação Infantil, pois essas variações dizem respeito ao seu estado emocional e à sua integridade neurológica. O profissional também deve, ao longo de sua formação, conscientizar-se da sua variação tônica, para poder relacionar-se com a criança de formas não verbais.
O trabalho psicomotor com base na Expressão Corporal também é essencialmente tônico ao se tratar das qualidades de movimento, desenvolvidas por Laban. As variações de velocidade, peso, direção e fluxo do movimento só são possíveis de ser realizadas mediante a modulação tônica. Os fatores mais fáceis de explorar na Educação Psicomotora são a velocidade e o peso, que podem ser trabalhados com crianças de quatro e cinco anos. O acompanhamento de instrumentos de percussão ajuda nas variações de lento e rápido e de forte e leve. Já as crianças de seis anos podem trabalhar mais profundamente esses fatores, e começar a perceber o fator fluxo (fluxo livre ou contínuo) e o fator espaço (direto ou indireto) na sua movimentação.
O trabalho de qualidade de movimentos desenvolve uma percepção corporal muito aguçada nas crianças Esse aprendizado usado na prática psicomotora é levado para o cotidiano da criança, que aprende a movimentar-se com maior destreza, segurança e consciência. Ludicamente as crianças aprendem a dominar seu tônus, a variar a contração muscular de acordo com a necessidade do movimento e a usar essa variação como uma forma de comunicação, descobrindo sua expressividade tônica. O controle das reações tônico-emocionais é um dos elementos fundamentais para a elaboração de uma gestualidade adaptada ao mundo e integrada à personalidade.

Expressividade e Motricidade

Segundo o Referencial, os objetivos do trabalho com o movimento podem ser agrupados em dois blocos: a expressividade e o caráter instrumental do corpo. A expressividade diz respeito ao incentivo da capacidade expressiva corporal e à percepção das sensações, limites e possibilidades do próprio corpo. Já o caráter instrumental do movimento, está relacionado à motricidade e ao desenvolvimento do equilíbrio e da coordenação global da criança por meio de atividades que desenvolvam as habilidades de força, velocidade, resistência e flexibilidade, e permitam pesquisar as diferentes qualidades de movimento e desenvolver a percepção espaço-temporal. O movimento é compreendido no RCNEI como um eixo de trabalho que deve:
– Permitir a expressão de emoções;
– Oferecer um caminho para as trocas afetivas;
– Facilitar a comunicação;
– Sustentar a percepção;
– Sustentar a reflexão mental;
– Sustentar a expressão das idéias;
– Apoiar a construção do sujeito;
– Possibilitar a exploração do mundo físico e do conhecimento de espaço.

Segundo o RCNEI, incentivar as crianças a desenvolver a motricidade e a expressividade dos seus corpos é um dos principais objetivos do profissional na Educação Infantil. Ambos os aspectos são intensamente trabalhados durante uma prática psicomotora. O corpo como instrumento é trabalhado em propostas que envolvem o equilíbrio estático e dinâmico, a coordenação motora global e fina, a estruturação espaço-temporal. Já a expressividade é incentivada em situações mais lúdicas, menos diretivas, nas quais as crianças podem deixar transparecer seus desejos e receios.
A vivência do espaço é feita a partir do conhecimento do próprio corpo pela criança. Dentro dessa vivência, é necessário que ela se conscientize, em relação ao seu próprio corpo, das noções de direita-esquerda, acima-abaixo, na frente e atrás, para depois ser capaz de fazer o mesmo em relação aos objetos e lidar com esses conceitos de forma abstrata. O desenvolvimento da vivência do espaço total a fará consciente do seu corpo em deslocamento. Desenvolver o sentido espacial e o esquema corporal favorece a estruturação da orientação, lateralidade e equilíbrio. Já a aquisição da função temporal e do sentido rítmico também ocorre a partir das sensações corporais cinestésicas. A tensão e a distensão muscular, o movimento e o repouso fazem parte da vivência temporal e são a essência do ritmo interno e fisiológico. A partir dessas percepções, a criança pode orientar-se temporalmente, compreendendo na prática conceitos como antes, durante e depois, para poder mais tarde organizar-se e se estruturar-se temporalmente. Em todas as propostas psicomotoras é possível trabalhar os dois aspectos frisados pelo Referencial, a expressividade e a motricidade. A criança, por exemplo, que dança em cima de uma prancha de equilíbrio, ao mesmo tempo que se expressa e brinca com seus repertórios de movimentos, tem seu equilíbrio trabalhado de forma lúdica.
Sánchez (2003, p.33) afirma que:

(…) o corpo é entendido como uma função, como um instrumento, como esquema corporal ,
como imagem que se conecta e se manifesta através das emoções da pulsão e do desejo que,
necessariamente, serão veiculados pela funcionalidade e pela instrumentação do corpo. São
dois pólos que pertencem a uma unidade indissolúvel sempre em construção.

O corpo traz no seu movimento um caráter tanto expressivo quanto instrumental. O papel do psicomotricista na escola é estar sempre atento a esses dois aspectos, considerando o corpo como uma unidade indissociável e proporcionando à criança uma vivência corporal lúdica que beneficie seu desenvolvimento psicomotor.

Conclusão

A primeira conclusão a que chegamos é que o psicomotricista pode enriquecer a sua prática na escola com o conhecimento e a vivência da Expressão Corporal. Na educação, a Expressão Corporal é uma atividade especificamente organizada para aprofundar a linguagem corporal e para enriquecer a expressividade das crianças por meio do corpo, além de atuar sobre o esquema corporal, a lateralidade, o equilíbrio, a coordenação motora, a postura, a orientação espaço-temporal e o tônus. A Expressão Corporal é, sem dúvida nenhuma, uma das ferramentas que o psicomotricista possui para atuar nas escolas. Outra conclusão diz respeito à importância que o movimento tem na Educação Infantil, por ser fundamental para o desenvolvimento harmonioso da criança nas áreas social, cultural, expressiva, cognitiva, motora, afetiva, perceptiva e artística. É preciso que todas as escolas se conscientizem disto.
A conclusão mais importante é que o psicomotricista é o profissional mais habilitado para lidar com o movimento de maneira ampla e profunda na Educação Infantil, por ter uma formação que o torna atento ao próprio corpo, ao corpo do outro, ao tônus muscular, ao diálogo corporal e à expressividade do movimento, que o torna apto a detectar precocemente qualquer tipo de problema psicomotor, devido ao seu grande embasamento teórico, e a favorecer o desenvolvimento psicomotor das crianças na primeira infância.

Referências Bibliográficas

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ANEXOS:
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